Quem é Marcelino ULTRA?

Quem é Marcelino ULTRA?
- Cristiano Marcelino (36 anos) é Bombeiro Militar, Ultramaratonista, Professor de Educação Física graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Mestre em Ciências pela UFRJ. Casado com Nilce Marcelino (37 anos) e pai de Filipe Marcelino (9 anos).

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ultramaratona dos Anjos – 235 Km

A Ultramaratona mais difícil do Brasil

Simplesmente 235 Km de montanhas a serem percorridos em um tempo máximo de 60h.
Realizada no Caminho dos Anjos, com largada e chegada em Passa Quatro / MG e passando pela Estrada Real a Ultramaratona dos Anjos é a Ultramaratona mais difícil e dura do Brasil.
No último dia 08 de junho alinhei na largada com cerca de 40 atletas para enfrentar a prova mais difícil de minha vida!


Caro amigo leitor, antes de você continuar lendo este meu relato, gostaria de informar que este foi a maior descrição que fiz de uma prova já participada. Bem merecida pela dimensão da mesma. Sendo resolvi fazê-lo dividido por capítulos, similar a um livro, dando assim uma melhor organização. Assim reserve um bom tempo para ler ele por completo. Você também poderá ler uma parte e depois retornar aqui e continuar. Uma coisa é certa, não irá se arrepender, leia e faça também parte da minha vitória!

CAPÍTULO I – PRÉ-PROVA
A Ultramaratona dos Anjos foi inaugurada em 2011, em uma edição somente para 15 Ultramaratonistas convidados. Destes apenas quatro completaram a prova, certificando ser a Ultramaratona mais difícil do Brasil.
Em 2012 a prova foi aberta ao público, devendo o atleta interessado submeter seu currículo a uma banca que após análise minuciosa decidiria ou não pela aprovação da inscrição do atleta, que devia ter uma larga experiência em Ultramaratonas.
Ao saber da prova já tinha programado ela em meu calendário, dispensando outras Ultramaratonas para ter um melhor desempenho nesta.
Submeti meu currículo e fui aceito!


Então começou a outra parte difícil do pré-prova: conseguir apoio financeiro para a mesma, pois o custo seria grande, que envolvia a inscrição (R$ 850,00), transporte, estadia pré-prova, alimentação durante a prova e Equipe de apoio, que deveria ser composta de no mínimo duas pessoas (motorista e Pacer) e um carro.
Muitos esforços foram empenhados para conseguir este apoio, que somente veio se concretizar totalmente seis dias antes da largada.
O apoio final veio da empresa XCLETE.COM IMPORTADOS, a qual agradeço muito pela confiança.


Com este apoio tardio comecei a tratar de recrutar minha Equipe de Apoio, que deveria ser composta de pessoas excepcionais que pudessem me ajudar durante a prova.
Na Ultramaratona dos Anjos o carro de apoio se desloca por cerca de 80% do percurso junto com o atleta.
Minha ideia não era ter grandes atletas de alta performance na Equipe e sim que a mesma fosse composta por pessoas que gostassem muito de mim e que estivessem dispostas a me ajudar de todas as formas se doando para que eu concluísse a prova com êxito.

Assim então fechei a Equipe com os seguintes componentes:
·       Nilce Marcelino: minha esposa, já com bastante experiência em me dar apoio nas Ultramaratonas e também poderia correr vários quilômetros comigo se necessário.
·        Filipe Marcelino: meu filho, que não poderia ser deixado para trás e deveria estar junto para me acompanhar e alegrar a todos da Equipe.
·        Marcelo Sampaio: meu grande parceiro do Cruce de los Andes, que além de poder me ajudar inigualavelmente nos trechos sem o carro de apoio, também seria um excelente motorista.
·        Alessandra Cavalcanti: minha grande amiga, com sua empolgação serviria de grande estímulo para mim durante a prova, podendo também correr muitos quilômetros ao meu lado e guiar o carro de apoio.
·        Volmer Silveira: que até então não conhecia, tinha a grande tarefa de elaborar um documentário em vídeo de minha participação na prova, ajudaria também um pouco em cada coisa.

Eu e minha Equipe uniformizada

Completando a Equipe tinha meu carro (Ford EcoSport) que serviu de transporte de casa para prova e volta ao lar, além de guarda-volumes da Equipe e carro reserva em caso de emergência. E como carro de apoio principal o da Alessandra (Citroën C4), tendo mais espaço e com motor mais forte e transmissão automática proporcionando um maior conforto da equipe, mesmo sendo um pouco baixo.

Carro de Apoio personalizado

Claro que muitas outras pessoas poderiam estar aqui, muitos desejavam estar e não puderam por vários motivos, até mesmo por espaço físico no carro de apoio. Porém eu não poderia desejar melhor Equipe que esta. Tive também MUITAS pessoas que esperavam um retorno meu positivo da prova, amigos e apoiadores, muitas mensagens recebidas.
Com certeza os integrantes de minha Equipe não tinham a dimensão exata do que iriam enfrentar nestas horas ao meu lado, nem eu sabia ao todo como seria, porém eu tinha ao meu favor a ampla experiência de provas do gênero que já participei, e com isto tentei passar para eles um pouco do que poderíamos encontrar.
Percorrer direto 235 Km de montanhas seria também para mim uma realidade ainda um pouco longe e não alcançada, não pelo fato da distância e do tempo total em si, mas sim pela dureza do feito que poderia ocasionar um princípio de colapso corporal, levando o atleta à desistência, como de fato ocorreu de algumas formas diferentes com outros atletas que desistiram com os mais variados quadros possíveis.

O mais perto disto que cheguei foram as duas provas de 24h de duração que participei. A primeira em 2010, num percurso de 2.725m em torno da Lagoa do Taquaral em Campinas, obtendo ao término das 24h a marca de 152 Km. E a segunda em 2011 numa pista de 400m na Academia Militar das Agulhas Negras em Resende, onde obtive a marca de 163 Km ao final das 24h. Estas duas provas serviram para eu ter a base de como lutar contra o sono durante todo dia e noite inteiros correndo, mas afinal de contas a Ultramaratona dos Anjos não acabaria com 24h ou com esta quilometragem, sem contar que estas foram em terreno plano.
Duas outras experiências me trouxeram bem próximo do que seria estar na Ultramaratona dos Anjos, por duas vezes participei como Pacer na Brazil 135 Ultramarathon, com um percurso de 135 milhas (217 Km) em montanhas. Em 2010 fui Pacer do atleta inglês Gary Jonhson, cruzando a chegada em 41h00min e acabei correndo 160 Km no total. No segundo ano de BR135, em janeiro deste ano fui Pacer do atleta norte americano Levi Rizk, cruzamos a linha de chegada com 40h25min, onde corri 110 Km e dirigi por várias outras horas.

CAPÍTULO II – A VIAGEM ATÉ A LINHA DE LARGADA
Após todos estes tramites então arrumei todo meu suporte colocando no meu carro e partimos, eu, Nilce, Filipe e Volmer (filmando tudo) para Passa Quatro na quinta-feira (07/06/2012) de madrugada, pois de manhã cedo aconteceria o Congresso Técnico e a largada seria sexta-feira.
Fizemos uma boa viagem, chegando a Passa Quatro fomos para a Praça dos Leões, onde estava montada o centro do evento, com largada e chegada.

Praça dos Leões - Centro do evento

Em seguida nos alojamos no Hostel Hárpia Adventure, uma excelente hospedagem de montanhistas que neste final de semana abrigou quase a totalidade do público da Ultramaratona. Após isto nos dirigimos para a retirada de kits, com assinatura de toda a papelada da prova, seguido do Congresso Técnico, que foi realizado de uma forma muito legal, explicando toda a prova e retirando todas as dúvidas dos atletas e Equipes.

Seguindo para o Congresso Técnico

Camiseta personalizada

Assinando os documentos

Identificação Oficial

Congresso Técnico

Após um almoço e breve descanso fomos para a Santa Missa, que estava lotada devido a festa de Corpus Crhisti. Saindo de lá encontramos o restante de nossa Equipe (Marcelo e Alessandra), fizemos um lanche em conjunto repassando toda nossa estratégia para a prova e como deveria transcorrer o trabalho de Equipe durante o percurso.
Retornamos ao Hostel, arrumamos tudo para o dia seguinte e fomos descansar.

No interior do Hostel

Após uma noite de sono é chegado então o grande dia da largada, já cedo a movimentação no Hostel era grande, com todos os Ultramaratonistas e Equipes circulando nos ajustes finais.
Após o café da manhã guardamos todo o material que não seria usado durante a prova em meu carro que ficou no Hostel e arrumamos o carro de apoio para ir para largada, que se localizava quase em frente a nossa hospedagem.
Chegando lá tinha aquela tradicional confraternização entre os Ultramaratonistas e Equipes, seguido do Hino Nacional Brasileiro, executado lindamente com violino. Feitas as fotos oficiais fomos alinhar no tão esperado pórtico inflável de largada. Sabíamos que todos nós lá de baixo éramos verdadeiros vencedores, somente pela coragem e determinação para tal feito.

Foto Oficial

Pronto para Largada

CAPÍTULO III – TRECHO 1: PASSA QUATRO A ITAMONTE – 22 KM
As 8h00min foi dada a largada para cerca de 35 atletas solo, um quarteto e duas duplas, formando assim o time de Ultramaratonistas da Ultramaratona dos Anjos 2012.
Pegamos o asfalto do centro da cidade, seguindo as setas verdes que demarcam o Caminho dos Anjos, inicialmente fiquei num ritmo bom e confortável, dividindo a ponta da prova com o amigo e Ultramaratonista Agnaldo.

Largada para os 235 Km

Os 235 Km da Ultramaratona dos Anjos se dividem basicamente em 10 trechos, com distâncias de 15 a 32 Km e teríamos que enfrentar entre outras centenas de subidas e descidas seis grandes montanhas numa altimetria surreal.


Já com alguns metros de corrida entramos numa estrada de terra batida com o percurso serpenteando montanha acima, onde neste ponto alguns atletas já trocavam de posições entre os carros de apoio que passavam.

A primeira montanha

Fui continuando num ritmo tranquilo, pois era somente a primeira de intermináveis subidas. Minha Equipe de apoio se mostrava muito entusiasmada e ia parando o carro pontos à frente para perguntar se eu desejava algo.

Apoio atento

O percurso até Itamonte apesar de contar com duras subidas foi percorrido de forma bem firme, sempre correndo e sem nenhum imprevisto.

Entre as montanhas

Neste primeiro trecho já passava pela primeira grande montanha da prova. Após a longa estrada de terra batida tinha um trecho de asfalto para entrar na cidade.

Chegando a Itamonte

Cheguei ao posto de combustível BR que marcava o final deste trecho, onde encontrei minha Equipe.

Final do trecho 1

Seguindo...

Não parei, peguei um pão com queijo e uma Pepsi e sai andando e correndo colocando isto para dentro. O relógio marcava 2h16min de prova, com os 22 Km percorridos. Ainda tinha nove trechos pela frente.

CAPÍTULO IV – TRECHO 2: ITAMONTE A FAZENDA DA MATA – 21 KM
A partir de então o caminho era realizado pela avenida principal de Itamonte, mas fiquei MUITO atento, pois no Congresso Técnico foi nos alertado que alguns metros à frente teríamos que sair da via principal e pegar uma rua secundária, sendo que a marcação não era muito nítida e que no ano anterior alguns atletas se perderam. Neste momento meu carro de apoio ficou para trás, fazendo compras alimentícias e tinha poucos metros na minha frente dois atletas, que me deixaram um pouco mais tranquilo, pois para três se perderem seria mais difícil que um só. No entanto comecei a achar que já estava correndo muito nesta pista, então alguns metros adiante um carro de apoio de outro atleta passa por mim e falam da janela: “volta que você está no caminho errado!”, e seguiu em frente para avisar aos outros dois atletas. Inicialmente fiquei meio furioso pelo descuido da organização, visto que como tinha acontecido isto no ano anterior eles deveriam indicar melhor o caminho. Comecei a voltar pelo asfalto já andando e antes do mesmo carro me alcançar veio ao meu encontro minha Equipe que, pasmem, também acabará de errar o caminho de carro e nenhum de seus ocupantes também vira o desvio correto. Disse a eles o que tinha acontecido e olhando para trás vi que o primeiro carro já vinha com os dois atletas que estavam em minha frente em seu interior, então pulei para o banco da frente de meu carro e disse: “siga aquele carro!”, pois não iria correr mais no caminho errado, tinha que achar primeiro a seta correta, o que foi feito alguns metros à frente, desci do carro e continuei correndo, já vendo vários outros atletas que estavam atrás de mim chegando neste ponto. Pedi então que meu carro ficasse ali parado por alguns minutos indicando o caminho correto a outros atletas. Calculei então que corri pelo menos dois quilômetros fora do percurso, mas nesta hora não fiquei aborrecido e levei na esportiva, afinal de contas não tinha nada para fazer mesmo.

Depois do 1º erro de caminho

Este segundo trecho era com poucas subidas, com exceção do final dele que seria de um início de serra muito dura e longa, marcando a segunda grande montanha da prova. Do meio para o final deste trecho tive a companhia do Marcelo ao meu lado correndo um pouco comigo na subida da serra, pegando já um início de sol esquentando.
A Fazenda da Mata não era um local muito nítido, apenas uma placa informando a entrada da mesma. Passei por tal ponto que marcava o final do segundo trecho, completando 43 Km totais com 4h50min de prova.

CAPÍTULO V – TRECHO 3: FAZENDA DA MATA A ALAGOA – 21 KM
A partir de então a subida era mais acentuada para chegar ao topo desta segunda montanha, sendo que algumas destas foram vencidas na caminhada para poupar o corpo. Assim cheguei ao topo.
Como tinha acabado de vencer uma grande subida agora era hora de descer tudo.  Pedi que o Marcelo ficasse no carro para se poupar para trechos adiante e fui sozinho novamente. Como estava agora a uma altitude bem maior o tempo começou a mudar rapidamente, com neblina e chuva repentina, alternando entre trechos com chuva e sem chuva, na longa descida de terra batida, onde o tempo esfriou bem.

Neste trecho coloquei a proteção no joelho esquerdo, pois sentia um pequeno incômodo devido à longa descida associado ao frio e já aproveitei e tomei um Ibuprofeno para tratar desta dor preventivamente.
Alguns quilômetros à frente a Alessandra se juntou a mim, correndo alguns trechos bem variados e com descidas técnicas e bem fortes, com paisagens lindas. Íamos correndo e conversando sobre tudo.

Então que por volta do Km 60 senti uma dor aguda no joelho esquerdo, dor esta que já me atormentou muitas vezes dois anos antes, mas porém com um trabalho de reabilitação que fiz a mesma desapareceu, sendo confirmada em ressonância magnética nuclear que não tinha lesão. Mas agora, justamente agora, ela voltaria, e ainda tinha cerca de 175 Km pela frente!
Esta dor agora me faria andar por uns quilômetros, no intuito de sentir o efeito do medicamento, mas sempre que tentava voltar a correr a dor vinha, então fui alternando entre corrida e caminhada até chegar à cidade de Alagoa.

Chegada a Alagoa

Lá tinha um Posto de Controle com uma bela recepção preparada pela Prefeitura para receber os atletas, chegando lá me sentei um pouco, já com fome, comi queijo e bebi um Powerade. Antes de chegar à cidade solicitei a minha Equipe que conseguisse um aparato medicamentoso melhor para aliviar a minha dor.

Posto de Controle de Alagoa

Como na praça da pequena cidade tinha apenas uma pequena drogaria sem muitos recursos, pedi que fossem na ambulância ver o que tinha, de preferência algo injetável para ação mais rápida. Então me solicitaram a ir ao posto de saúde da cidade, que era somente uns 100 metros fora do percurso, então fomos eu e Alessandra lá, o restante a Equipe procurava comida na cidade para nós todos, visto que já passava das 15h.
Fomos muito bem atendidos por lá e rapidamente me aplicaram um analgésico intramuscular, agradeci e segui andando mais um pouco pelo percurso. Já tinha percorrido 65 Km de prova e o relógio apontava 7h51min desde a largada.

Saída de Alagoa

CAPÍTULO VI – TRECHO 4: ALAGOA A AIURUOCA – 32 KM
Logo na saída da praça o Ultramaratonista Agnaldo sai junto comigo, ele tinha acabado de passar muito mal, tendo vomitado muito, segundo ele “o problema foi a altitude”. Seguimos caminhando por um tempo, até que eu falei para ele se quiser se adiantar, pois eu ainda sentia dores, então ele seguiu. Momentos depois consegui até dar umas pequenas corridas, até que meu carro de apoio me encontrou e me passou uma quentinha contendo macarrão, então fui caminhando e almoçando, como é de costume.

Nilce trazendo meu almoço

Almoço em movimento

Este trecho é o maior de toda a prova. Um trecho muito bonito, com muitas subidas e descidas, sendo predominantemente de subidas.
Alguns quilômetros à frente meu carro de apoio parou na estrada de terra do percurso para o pessoal comer em suas quentinhas e eu segui na frente sabendo que logo depois eles chegariam a mim.

Almoço da Equipe

Porém o pior aconteceu. Este trecho tinha muitas áreas alagadas e com lama e em certo ponto passei por uma porteira fechada, a seta indicava que eu deveria passar por ela, mas o que me surpreendeu foi que imediatamente após a porteira tinha uma pequena subida íngreme com bastante lama, na mesma hora pensei que meu carro poderia ficar atolado lá. Não podia esperar para ver, pois eles poderiam demorar muito a chegar a mim, segui em frente. Alguns quilômetros à frente eu já estava com sede e não tinha nada para beber, ficava toda hora olhando para trás para ver se meu carro ou outro viria, mas nada, sabia que se meu carro tivesse ficado atolado também acabaria fechando a passagem dos demais, pois o trecho era estreito, mas logo pensei que tinham vários carros de apoio 4x4 que poderiam passar e rebocar os outros facilmente, pois o trecho complicado era bem curto.

Siga as setas verdes!

Vi então que uma atleta se aproximava de mim, como andava neste trecho ela logo chegou, esperei que tivesse algo para beber, mas além de não ter nada já veio também reclamando de sede e que seu carro tinha ficado para trás, então logo deduzi que realmente tinham ficados atolados. Ao passar por uma fazenda vi ao lado da entrada uma torneira com mangueira, falei para a outra atleta, que estava competindo na categoria dupla, que eu iria beber logo daquela água, pois não saberia quando seria a próxima oportunidade, ela não quis, ficou receosa, mas ainda bem que bebi, a água estava bem gelada, devia ser de algum poço.
A atleta então se adiantou correndo e ao ver ela ir embora pensei que eu não poderia ficar caminhando assim, tinha de me esforçar para correr, mesmo com dores no joelho, então fui à busca dela e a alcancei correndo mesmo com dores e decidi que iria continuar assim mesmo.

Neste momento, já estávamos chegando ao final da tarde então ela falou que queria que ficássemos juntos, pois a noite iria cair em minutos e não tínhamos nada. Falei que poderia ir sim correndo se meu joelho deixasse e ela disse que se fosse preciso ela caminhava comigo, mas não ficaria de noite sozinha. Então fomos correndo mesmo e nada de algum carro nos encontrar.
Em certo ponto o caminho nos fazia sair da estrada principal e entrar numa secundária, a noite já estava bem próxima, logo à frente outra bifurcação, mas sem indicação, seguimos o caminho mais nítido entrando em consenso e minutos à frente vimos que estávamos errados, o caminho era de uma propriedade particular. Então este foi o segundo erro meu do percurso. Voltamos e pegamos o outro caminho na bifurcação, aí então chegou a nós dois carros de apoio e três atletas, eles tinham acabado de errar o caminho na saída da estrada principal atrás de nós e correram vários quilômetros errados até um carro alertá-los e voltaram. Agora acharam o local certo. Conseguimos então nos hidratar no carro e até tomei BCAA que me deram, porém todos avançaram no percurso e novamente ficamos somente eu e a outra atleta, já estávamos mesmo num ritmo bom. O carro nos alertou que realmente vários carros ficaram atolados no trecho complicado e que nenhum conseguiu passar tendo que dar uma volta muito grande para chegar a nós, mas pelo que falaram já estavam chegando então ficamos mais tranquilos.
Porém o tempo foi passando e nada de carro, o sol se tinha ido embora e aos poucos a escuridão tomava conta. Foi aí que vi à frente o Ultramaratonista Agnaldo, então disse para a outra atleta para irmos ao encontro dele, pois ele estava de mochila e teria lanterna.

Ao encontrarmos ele novamente me disse que estaria muito mal, resolvemos então ficarmos nós três juntos, mesmo tendo que diminuir o ritmo, pois somente tínhamos uma lanterna. Esta lanterna o Agnaldo me deu logo em seguida para iluminar o caminho para nós três, pois ele não se encontrava bem para fazer tal coisa. Assim fomos noite adentro e nada de nossos carros nos alcançarem. Alguns quilômetros depois encontramos outra atleta de dupla que também tinha lanterna e ficamos nós quatro juntos com duas lanternas. E nada de nossos carros aparecerem. Mais uns quilômetros encontramos o carro de apoio da direção da prova, este nos deu comida e bebida, eu já estava com muita fome e comi biscoito e bolo, também peguei um Powerade e levei fechado, pois não sabia mais quanto tempo teria que correr sem apoio, além disto, a noite também poderia esfriar mais e eu estava somente com uma camiseta molhada, então tratamos de ir logo embora. Seguimos nós quatro e o carro ficou para trás. Porém cerca de 100 metros à frente encontramos outra bifurcação sem sinalização, então ficamos nós quatro procurando qual caminho seguir, eu tratei de me adiantar pelo caminho mais nítido à direita, enquanto Agnaldo voltava e gritava o organizador da prova para que viesse ao nosso encontro e nos informasse qual caminho correto. E assim fez, mas ele também teve dúvida e somente com ajuda do farol do carro conseguiu desvendar o caminho certo, então me gritaram para voltar, e pela terceira vez errei o caminho na prova correndo vários metros a mais. Voltei e seguimos nós quatro juntos novamente.

Logo acabamos nos dividindo em duas duplas: eu e Agnaldo à frente e as outras duas atletas mais atrás. Porém Agnaldo cada vez se mostrava mais debilitado, enquanto eu estava mais empolgado sem muitas dores no joelho e necessitava aproveitar esta hora para correr mais, porém não tinha lanterna. Tive que ir neste ritmo por um bom tempo até que o carro da organização nos encontrou novamente. Agnaldo aproveitou para substituir as pilhas da lanterna que estava comigo. Pedi então para me arrumarem uma lanterna e consegui! Porém me deram uma lanterna de mão que não iluminava muito, mas perguntei então ao Agnaldo se poderia ir em frente e deixar ele sozinho, pois estava bem e queria aproveitar, ele disse que sim, então devolvi a lanterna dele e agradeci o empréstimo da outra da organização eu fui embora. Esta foi a última vez que vi Agnaldo. Infelizmente vim a saber que ele desistiu da prova na próxima cidade.

Corri muitos quilômetros ainda noite adentro sem ver ninguém, alternando entre lanterna ligada e desligada para economizar pilha, pois não saberia até que horas deveria ficar sem suporte. Muito à frente encontrei dois carros de apoio que me falaram que meu carro estava em minha busca e que tinham dado uma volta imensa por outra cidade para chegar até mim, deixei então avisado que estava seguindo em frente e fui. Somente muito à frente encontrei minha Equipe, que estava desesperada de preocupação comigo, ao chegarem davam gritos e pediam para eu parar, porém como estava me sentindo bem não parei e pedi que me acompanhassem de carro e me dessem as coisas que precisava: head lamp, colete refletivo, comida, água etc. Foram cerca de 4h correndo sem apoio.

Enfim chegamos a Aiuruoca, o relógio já passava das 20h e a dor no joelho já voltava. Na cidade havia uma boa recepção aos atletas, sendo montada uma excelente estrutura de apoio aos atletas, com alimentação farta, camas e chuveiros.

Chegada a Aiuruoca

Mesmo sendo solicitado pela minha Equipe para que eu aproveitasse isto tudo para descansar eu preferi somente tomar uma sopa e deitar num colchão no chão rapidamente somente para esticar as costas enquanto Nilce fazia curativo em meus pés e trocava minhas meias e tênis, que até então era o ASICS GEL FUJI ES e troquei para o THE NORTH FACE DOUBLE TRACK, também troquei a camiseta. Solicitei então que queria novamente tomar um medicamento injetável, mas o posto de saúde era uns dois quilômetros fora do percurso, pedi então para Alessandra ir lá averiguar da possibilidade de eu tomar o medicamento, ela foi e ao voltar eu já estava pronto para partir, entrei então no carro e fui ao posto médico, novamente sendo muito bem atendido e tomando o analgésico intramuscular, voltamos para o ponto de apoio, me apresentei à organização avisando que estava partindo do mesmo local correndo. Estava com 13h17min de prova, já tendo percorrido 97 Km.

CAPÍTULO VII – TRECHO 5: AIURUOCA A CACHOEIRA DOS GARCIAS – 15 KM
Este seria o mais duro da prova, quase todo realizado em subida e boa parte sem o apoio do carro, alcançando assim o ponto de maior altitude da prova (1.900m) e passando pela terceira grande montanha da prova.
Comecei este trecho inicialmente caminhando e depois correndo aos poucos, dando preferência para correr nas subidas, sendo assim melhor para o joelho, nas descidas era muito sacrificante.
Alessandra me acompanhou por alguns quilômetros neste trecho. Cerca de cinco quilômetros à frente chegamos à entrada do Parque Estadual da Serra do Papagaio, a partir de então o carro de apoio seria proibido seguir em frente, devendo dar uma volta e nos encontrando somente na próxima cidade, após a próxima divisão de trecho, 34 Km à frente ou se o terreno permitisse 24 Km à frente.

Já estando avisado Marcelo ficou pronto para me acompanhar, com a mochila carregada de suprimentos para nós dois e vestido, como gosto de falar “igual a um esquimó”, pois ele sente muito frio. Eu coloquei somente uma camiseta mais quente e um casaco leve da ASICS. O céu estava limpo e fomos embora.
A subida já era muito forte e fomos ganhando altitude rapidamente, e logo o céu começou a mudar e uma neblina forte nos encobriu, não sendo possível em certos momentos ter uma visão maior do que dois metros à frente. Fomos seguindo cautelosamente quando começou a chover, inicialmente fraco e depois torrencialmente. O Marcelo que estava com um casaco impermeável, tirou seu corta vento KAILASH que estava por baixo e me deu, porém serviu para retardar o efeito da chuva, mas que aos poucos também foi encharcando. O pior que eu tinha todo o meu equipamento disponível, mas ficaram dentro do carro.

Mais à frente nos deparamos com uma cena inusitada em meio à neblina. Vimos um vulto reluzente brilhando prateado e dourado de uns 2,5 metros de altura. Marcelo pensou que fosse um “chupa cabra” e tremeu de medo. Porém chegando perto vimos do que se tratava aquela assombração da madrugada. Um atleta de dupla esta com seu Pacer e ao sentir sono ele forrou o chão com uma manta térmica de emergência, ao verem a nossa luz chegando se levantaram para continuar o percurso, mas o local escolhido para tal sono foi uma pequena elevação ao lado da estrada e ao levantar sacudiram a manta que reluziu nossa luz da lanterna formando o ser da madrugada reluzente. Passado o susto seguimos em frente.

Alguns quilômetros à frente foi minha vez de estar caindo de sono, o relógio já passava de meia noite falei para Marcelo que eu precisava deitar por uns minutos, ele disse que não tinha lugar, pois o chão estava todo molhado e ainda chovia, mas rapidamente avistei uma árvore no caminho e falei que era ali mesmo naquele chão molhado, ele sentou e eu deitei colocando a cabeça nos tênis dele pedindo para marcar exatos cinco minutos e me chamar. Ele disse que com três minutos eu já roncava e decidiu me dar mais um minuto, sendo assim com seis minutos me chamou e dei um pulo já me sentindo bem melhor e retornamos para a prova. Mais tarde ele me disse que ficou preocupado de eu não acordar mais e pensou em ter que me deixar lá iluminado pela lanterna e ir buscar ajuda para me resgatar, mas eu já sabia o efeito que aqueles minutos teriam, e realmente eu só sentia sono.

Alguns quilômetros à frente encontramos o Ultramaratonista Delino, que estava parado na trilha no escuro, pois suas pilhas da lanterna acabaram e ele não conseguia trocar por conta da exaustão e da escuridão. Abri a lanterna para trocar as pilhas para ele, porém ele me deu somente três pilhas e a lanterna dele precisava de quatro, mas ele estava tão ruim que falou para deixar somente com três mesmo (claro que não ia funcionar), então disse que colocaria três novas e uma velha e a lanterna funcionou. Seguimos em frente e deixamo-lo, que disse que seguiria mais devagar. Foi a última vez que vi o Delino na prova, somente na chegada que soube que ele desistiu na próxima cidade.

Logo à frente chegamos ao carro da organização marcando o final deste trecho, na entrada da Cachoeira dos Garcias, que era um quilômetro fora do percurso e de passagem opcional, se quiséssemos ir lá tinha uma casa com banho e demais aparatos. Decidi passar direto, somente pegando um bolo no carro da organização. Neste ponto encontramos outros atletas, mas não os esperamos e seguimos logo somente nós dois. Já tinha percorrido 112 Km num total de 16h57min.

CAPÍTULO VIII – TRECHO 6: CACHOEIRA DOS GARCIAS A ESPRAIADO DO GAMARRA – 24 KM
A organização avisou que uns dois quilômetros à frente chegaríamos ao topo da serra e lá teria acampado dois montanhistas, que além de nos servirem sopa quente tinham balizado toda a descida adiante com sinalizadores químicos, pois a mesma era muitíssima perigosa. Neste trecho os demais corredores que ficaram para trás já nos alcançaram e chagamos juntos ao topo da montanha. Tomei uma sopa quente e fomos logo embora, pois o vento era muito frio, a temperatura lá estava próxima a uns 5º C, com uma sensação térmica próxima de zero.
Começamos a longa e perigosa descida. Este trecho agora tinha uma longa descida de nove quilômetros até a Casa Rosa, ponto de apoio da prova, onde nosso carro poderia chegar se o terreno ajudasse.

Nesta descida já bem de madrugada novamente solicitei outra parada para descanso ao Marcelo, achamos um local menos ruim na estrada e deitei. Desta vez foram exatos cinco minutos, porém nem sei se consegui dormir mesmo, mas depois deste descanso me senti bem melhor.
Descemos ansiosos por acabar esta descida e encontrar provavelmente nossa Equipe. Depois de muito tempo avistamos a Casa Rosa. Mas para nosso desgosto não havia nenhum carro parado por lá. Entramos e fomos muito bem acolhidos. O relógio já passava das 5h da manhã, tinha que dar um último descanso da noite, então me ofereceram uma linda e aconchegante cama, porém pensei que se eu deitasse lá não iria levantar mais, preferi deitar no chão ao lado da cama e pedi ao Marcelo que me chamasse em exatos 15 minutos e foi isto que ele fez, sendo assim após este “longo” descanso me levantei me sentindo BEM melhor, “garoto” como falo. Marcelo ficou preparando um poncho para ele com um cobertor cedido pelas donas da casa e ao levantar tomei um café com leite e comi um queijo. Informaram-nos que os carros não chegaram ali, somente quem estava com 4x4, tínhamos pela frente 10 Km de algumas subidas e várias descidas até o Espraiado do Gamarra e o céu já começava a clarear. Seguimos em frente.

Faltando cerca de um quilômetro para o Espraiado (junção de rios que formam tipo uma praia), veio ao nosso encontro meu carro de apoio, ao qual pedi para ir ao Espraiado e preparar algumas coisas, pois não iria parar para descansar, somente iria trocar e pegar o necessário para seguir.
Então chegamos ao Espraiado depois de uma noite bem longa e sofrida para mim e o Marcelo. Muitos atletas paravam por lá para dormir, mas preferi somente comer um pão, tomar um Powerade, trocar os tênis, agora para o THE NORTH FACE SINGLE TRACK HAYASA, trocar a camiseta e ir em frente, deixei Marcelo lá para descansar e segui o Caminho. Já tinha percorrido 136 Km (agora faltava somente 99 Km!) estes percorridos em 23h52min.

CAPÍTULO IX – TRECHO 7: ESPRAIADO DO GAMARRA A CAXAMBU – 21 KM
Este trecho não tinha maiores subidas e descidas, porém foi bastante difícil para mim, pois por duas vezes tinha feito provas de 24h e agora tinha que passar esta barreira de tempo e correr muito mais ainda. Boa parte deste trecho foi feita sob companhia da Alessandra correndo comigo, também em alguns trechos Nilce e Filipe me acompanharam.

A chegada a Caxambu é muito bonita, mas a marcação estava muito confusa e foi difícil achar o caminho correto nas ruas da cidade sem se perder. Por fim paramos próximo à rodoviária e fiz uma pequena parada, onde troquei os tênis, colocando o ASICS GEL PULSE 2 a qual acabei indo com ele até o final da prova, pois este é um número maior e ficava mais confortável para os pés bem debilitados. Enquanto a Equipe conseguia comida, pois já passava do meio dia, aproveitei para deitar e alongar as costas, fazendo também reparos nós pés. Chegada a comida, uma lasanha, comi e parti logo, novamente sob companhia da Alessandra. Já havia corrido 157 Km levando 28h11min desde a largada.

CAPÍTULO X – TRECHO 8: CAXAMBU A SÃO LOURENÇO – 26 KM
Este trecho foi em terreno bem acidentado onde eu passaria pela quarta grande montanha da prova. Devido às dores no joelho sofri bastante neste trecho, além do sol que castigava também. Por vários quilômetros fui acompanhado por Nilce e Filipe.

Após ter andado bastante tomei uma decisão de ter que voltar a correr a qualquer custo! Então marquei em meu GPS e tracei a estratégia de correr 500m e caminhar 500m, foi muito difícil conseguir completar estes 500m de corrida, a todo o momento olhava o GPS e a distância não se completava, mas consegui completar e iniciei a caminhada planejada. Então planejei evoluir um pouco, porém isto exigiria um sofrimento extra, mas estava disposto a enfrentar. Propus-me a correr 550m e caminhar 450m. Então fiz e foi bem duro concluir a corrida. A caminhada seguinte também foi mais curta, mas decidi evoluir mais ainda, planejei correr agora 600m e caminhar 400m em seguida. Fiz isto fazendo uma força incrível. Agora era hora de evoluir novamente com 650m de corrida e 350m de caminhada. Comecei aos poucos a entrar num ritmo em pouco menos desgastante e resolvi evoluir novamente com 700m de corrida e 300m de caminhada. Fiz de uma forma instintiva mais ainda com dificuldade. Planejei novamente outra evolução com 750m de corrida e 250m de caminhada. Iniciei a corrida sem saber onde iria parar este meu jogo de distâncias. Foi então que avistei à minha frente o Ultramaratonista Javera e instantaneamente decidi chegar nele independente da distância. Até chegar junto dele tive que correr mais de dois quilômetros. Apesar de ele ser um grande amigo decidi passar direto dele e aproveitar meu bom momento. Porém chegando nele ele virou para mim e me parabenizou pelo ritmo forte que vinha e também disse que estava muito ruim e não iria correr mais na prova, somente caminhar. Foi então que decidi então não ir em frente e sim ficar um pouco com ele e o estimular. Acabou dando certo, começamos a correr juntos nos trechos mais fáceis e caminhar nos trechos mais difíceis. Nos trechos de caminhada ele era mais rápido que eu e se adiantava mais rapidamente o pegava assim que começava a correr. Fizemos isto por quilômetros. Num certo ponto que ele estava à minha frente tinha outro carro de apoio parado e entregou para ele uma caixa de pizza, então ele parou para me esperar e oferecer, então parei e peguei um pedaço para comer, neste momento a mulher que deu a pizza ao Javera perguntou se eu estava bem, respondi que somente estava sofrendo com as dores no joelho, então ela disse que tinha um bom remédio para mim. Ela era médica e esposa de outro atleta que estava competindo. Fiquei na dúvida se tomava, pois na hora não estava com tantas dores, mas minha Equipe de apoio me incentivou a tomar, acho que eles já viam meu sofrimento aflorando, então aceitei, ela me deu dois comprimidos. Aproveitei esta cena toda para sentar e comer a pizza tomando Coca-cola, também troquei as meias. Levantei-me pensando em alcançar o Javera, porém ao levantar senti toda a musculatura das pernas travando e somente consegui ir caminhando e dando pequenas corridas.

A chegada a São Lourenço foi particularmente diferente, pois a cidade é bem maior que as outras e tinha uma festa no centro da cidade e o Caminho dos Anjos passava literalmente dentro da festa. Cheguei à cidade correndo junto com Alessandra e ficamos procurando as setas indicativas por entre as pessoas da festa e com muito custo conseguimos achar o caminho correto.
Passei por São Lourenço com 33h21min de prova já tendo corrido 183 Km, já era final da tarde e a noite era iminente.

CAPÍTULO XI – TRECHO 9: SÃO LOURENÇO A PESQUEIRO 13 LAGOS – 28 KM
Como na entrada da cidade o carro de apoio tinha que desviar por umas ruas do caminho devido à mão dos carros na rua, acabamos iniciando o próximo trecho e ele não passara por nós. Fiquei apreensivo de continuar correndo e como na noite anterior ficar sem nada. Pedi a Alessandra que ficasse no último cruzamento esperando o carro para avisasse que eu segui em frente, mas de jeito nenhum ela queria ficar e sim ir comigo. Mas insisti que não adiantaria ela ir junto comigo e ficarmos nós dois sem lanternas de noite se o carro não encontrasse. Mesmo assim ela não quis ficar e tive que falar então que se ela não ficasse eu que ficaria ali parado esperando o carro. Foi então que ela resolveu ficar. A boa vontade dela foi muito grande, mas eu tinha certeza de tomar a decisão correta. Neste momento vi o Javera cerca de um quilômetro à minha frente e pensei então, vou correr muito e alcançar ele, assim não ficaria sem lanterna de noite. Fui à busca dele por vários minutos, mas antes de chegar nele meu carro me encontrou. Que alívio! Não alcancei mais o Javera e depois soube que ele completou a prova alguns minutos antes de mim e fiquei muito feliz por ele.

Este trecho era bastante acidentado e me levaria a passar pela quinta grande montanha da prova. Foi o trecho que mais sofri a prova toda, mesmo não sendo o mais difícil dela, tecnicamente falando, mais para mim foi o pior.
Neste trecho tive a companhia o tempo todo de meus integrantes da Equipe, Nilce, Marcelo, Alessandra e Volmer se revezando para não me deixar sozinho nestes momentos difíceis.
Todos os integrantes da Equipe estavam exaustos, o carro ficava metros atrás de mim auxiliando na iluminação, mas eles também se ajudavam para não dormir dirigindo.

Todo o trecho foi bem sofrido e até mesmo porque eu estava muito debilitado neste trecho foi o que senti mais frio da prova toda, tive que colocar uma camiseta de frio ASICS, um casaco ASICS e um casaco de Fleece Columbia EL CRUCE, além de touca ASICS e luvas THE NORTH FACE.

Após muito sofrimento cheguei à parte final deste trecho, acompanhado de Marcelo. Esta parte era de uma rodovia, a qual íamos pelo acostamento asfáltico durante cinco quilômetros. Foi interminável. Um quilômetro antes pararmos no carro de apoio a fim de fazer a última troca de vestuário, deitei do lado de Filipe dentro do porta malas do carro que estava com os bancos rebatidos, enquanto isto Nilce cuidava de meus pés e trocava as meias, também troquei a camiseta, levantei e segui o asfalto. Enfim chegamos ao Pesqueiro 13 Lagos o relógio passava da meia noite, nem paramos. Nesta hora me empolguei para entrar no último trecho da prova. Até então já tinha corrido 211 Km em 40h20min desde a largada.

CAPÍTULO XII – TRECHO 10: PESQUEIRO 13 LAGOS A PASSA QUATRO – 24 KM
Neste trecho tinha que vencer a sexta e última grande montanha da prova. Já queria sair correndo em disparada, porém Marcelo que ia comigo me convenceu a inicialmente irmos caminhando bem rápido, quase em velocidade de trote e fomos ganhando terreno rapidamente. Iniciamos uma contagem regressiva para a chegada, que era celebrada toda vez que o GPS tocava e vibrava em meu pulso sinalizando menos um quilômetro para a chegada. Neste trecho também levei em mãos o Road Book da prova, que indicava cada detalhe do percurso, que mesmo com suas ambiguidades ajudava a saber o que vinha pela frente.

Vimos algumas luzes no alto da montanha a nossa frente, indicando outro atleta em minha frente que já passava por onde eu iria passar. Fomos aumentando o ritmo a fim de chegar logo nele, o que aconteceu após vários quilômetros de subida, passando também por vários pontos com muita lama que nos deixaram apreensivos se o carro de apoio passaria. Alguns apertos passaram, mas não ficaram atolados. O atleta que passei estava muito mal, andando amparado por dois Pacers e um bastão. Desejei-lhe boa sorte e disse que agora era tocar para a chegada. Então chegamos ao topo da montanha e agora era praticamente só descida até a chegada. Faltavam 12 Km até Passa Quatro, indicava uma grande placa no Caminho.

Inicialmente a descida foi empolgação total, porém com o passar dos quilômetros as dores do joelho voltaram e a descida se tornou interminável. Descia e descia e nada da cidade aparecer. Nilce começou a me acompanhar neste trecho final. Até que a cidade apareceu, porém muito lá em baixo, parecendo inalcançável para minhas condições atuais. Juntamente com a cidade era visível que a escuridão desta segunda noite começava a ir embora, pois o relógio já indicava passar das 5h da manhã. A cada curva a cidade sumia entre as árvores e eu ansiava pela nova vista mais perto. Porém cada vez a cidade se aproximava pouco e a luz do dia chegava. Já me tinha colocado na cabeça que iria de qualquer forma cruzar a linha de chegada ainda escuro. Até que depois de uma curva fechada a cidade apareceu bem perto. Fui cada vez ficando mais apreensivo com o horário. Enfim cheguei à cidade de Passa Quatro.

CAPÍTULO XIII – A CHEGADA
As setas indicavam que eu deveria ir seguindo pelas ruas centrais de Passa Quatro. A luz do dia já era iminente. Tentava me lembrar de antes da largada para saber onde estava a praça que seria a chegada, mas nada. Comecei a correr muito forte, mas o forte neste momento acho que deveria ser por volta de 6 ou 7 min/Km, não tinha ideia só queria saber de chegar, até que me falaram “a praça está aí ao lado”, então vi o que desejava por muitas horas: uma fila de cones me levariam para o grande pórtico inflável da chegada. A luz do dia já queria brilhar por trás das montanhas, mas neblina da manhã fria não permitia. Vi o Fernando, Organizador da prova, junto com mais duas pessoas da organização que me esperavam naquele momento.
Gritos e aplausos vinham do carro de apoio e da praça. Cruzei a linha de chegada da Ultramaratona mais difícil do Brasil. Foram 235 Km de montanhas.

Chegada dos 235 Km

Meu tempo oficial foi 46h02min17seg e me surpreendi por ter ficado em 6º Lugar Geral. Uma alegria imensa! De cerca de 35 atletas que largaram somente 15 completaram a prova. Recebi das mãos do Fernando a medalha e camiseta de FINISHER e o troféu pela minha colocação obtida.

Recebendo a premiação

Foto Oficial da conclusão

Algumas fotos feitas, agora era hora de ir para o Hostel e cair. Missão cumprida!

CAPÍTULO XIV – AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por me proporcionar força e determinação para chegar ao final desta Ultramaratona.
Agradeço a todos meus apoiadores, especialmente a empresa XCLETE.COM IMPORTADOS, a qual sem tais apoios seria muito difícil estar aqui.
Agradeço imensamente a minha Equipe de Apoio, pela doação de cada de seu tempo e esforço com o fim último de me levar à linha de chegada:

Nilce Marcelino Filipe Marcelino

Marcelo Sampaio

Alessandra Cavalcanti

Volmer Silveira

E agradeço finalmente a você que me acompanha por aqui e me faz descrever também meus desafios. Muito obrigado!

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Agora a ordem é recuperar, pois novos desafios já estão marcados. Até a próxima...